
Existe um limite para a quantidade de proteína que o corpo pode absorver em uma única refeição?
Introdução
Existe um mito há muito difundido no meio fitness, segundo o qual o corpo só conseguiria usar uma determinada quantidade de proteína em uma refeição, e o excesso seria oxidado ou excretado. A quantidade seria algo em torno de 20 a 30 gramas, sendo talvez os 30 gramas a quantidade mais propalada.
Essa informação tem feito com que muitos marombeiros enfrentem o suplício de consumir várias doses de proteína durante o dia, acreditando que desta maneira estariam maximizando o anabolismo ou a retenção muscular.
Verdadeiro ou não, esse conceito se adequa perfeitamente a outra “regra” duradoura do mundo fitness: você deve comer no mínimo seis vezes por dia de modo a manter o seu metabolismo acelerado. Como esse dogma da frequência das refeições já foi devidamente desmistificado [1-5], agora é o momento de debater se existe um limite para a dosagem eficiente de proteína. Se houver, que limite seria esse?
Primeiro vamos analisar a questão usando uma lógica simples.
Vamos imaginar um estudo envolvendo dois indivíduos relativamente magros com 100 Kg. Para o propósito dessa ilustração, iremos fornecer uma quantidade diária de proteína suficiente para atender às necessidades de atletas. Daremos ao indivíduo A 150g de proteína distribuídos em 5 refeições dando 30g cada. Ao indivíduo B serão fornecidos os mesmos 150g de proteína, mas em apenas 1 refeição. Vamos imaginar que essa refeição seja composta de um bife de 450g mais um shake feito com dois scoops de proteína em pó.
Se o corpo realmente só conseguisse absorver 30g em cada refeição, então o indivíduo B eventualmente iria apresentar sintomas de deficiência proteica, porque supostamente ele estaria absorvendo apenas 30g do total de 150g que estaríamos fornecendo a ele. Com 30g diários, ele estaria consumindo apenas 0,3g/Kg de peso corporal, que não é nem a metade da (já baixa) recomendação da IDR 0,8g/Kg. Se o corpo funcionasse dessa maneira, a espécie humana rapidamente teria se extinguido. O organismo humano é mais eficiente e efetivo do que nós acreditamos.
A digestão do indivíduo A vai ocorrer em períodos menores de modo a absorver efetivamente e utilizar as refeições menores. O indivíduo B vai precisar de um tempo maior para poder absorver efetivamente e utilizar a refeição maior. Embora a verdade nessa suposição lógica pareça evidente, a questão importante é saber se ela é ou não respaldada pela pesquisa científica. Vamos olhar as evidências, começando com estudos de efeito imediato (agudos), depois prosseguindo com pesquisas de longo prazo.
Pesquisas analisando a velocidade da absorção
Uma revisão da literatura feita por Bilsborough e Mann compilou dados de vários pesquisadores que mediram as taxas de absorção de diversas fontes de proteína [6]. Curiosamente, uma mistura de aminoácidos elaborada para imitar a composição do lombo suíno ficou em primeiro lugar, com 10g/hora, enquanto o whey ficou (por pouco) em segundo lugar, com 8-10g/hora. Outras fontes de proteína ficaram abaixo dessas duas, com poucas justificativas para os resultados. De acordo com as pesquisas, a clara crua do ovo foi a proteína de absorção mais lenta de todas, com 1,3g/hora.
É importante observar que esses dados apresentam algumas sérias limitações. Uma das maiores delas é a variação dos métodos usados para determinar as velocidades de absorção (ex. infusão intravenosa, ingestão oral, ingestão ileal). A maioria dos métodos é muito crua ou confusa para serem seriamente consideradas.
Outra limitação é que essas análises podem estar distorcidas, dependendo da concentração das soluções, que podem afetar a taxa de esvaziamento gástrico. Outro fator a ser considerado é a relação entre os horários das ingestões e dos exercícios, e como isso pode afetar de modo diverso as taxas de absorção. Finalmente, os estudos de curto prazo deixam muitas questões em aberto.
Pesquisas de curto prazo embasando o limite mágico
Muitas pessoas repetem que 20g de proteína é a dose para obter o máximo efeito anabólico, citando um estudo feito por Moore e colegas [7]. Nesse estudo, feito num período de tempo de 4 horas após o treino, 40g de proteína não tiveram um efeito anabólico maior do que 20g. Esses resultados devem ser interpretados com cuidado.
Basicamente, a utilização da proteína pode variar em função da massa muscular. As necessidades de uma pessoa de 63 Kg serão muito diferentes das de uma pessoa magra com 90 Kg. Além disso, o volume de treino foi relativamente baixo (12 séries no total). Sessões típicas de musculação geralmente envolvem mais de um grupamento muscular e usualmente têm o dobro desse volume, o que pode elevar potencialmente a demanda por captação de nutrientes. Finalmente, a conclusão do autor é questionável. Eles dizem explicitamente:
“…nós especulamos que alguém não precisaria ingerir mais do que essa quantidade de proteína (20g) de 5 a 6 vezes ao dia para esperar que a síntese proteica muscular seja estimulada ao máximo.”
Então, eles estão dizendo que a quantidade máxima de proteínas que precisamos para estimular o crescimento muscular seria de 100 a 120g. Espere um pouco, o quê? Baseado na quantidade de evidências, de estudos e em numerosos testes em campo, isso é simplesmente equivocado [8,9].
Em um outro estudo recente, Symons e colegas compararam as respostas após 5 horas de ingestão de uma porção moderada de bife contendo 30g de proteína com uma porção grande contendo 90g de proteína [10]. A porção menor aumentou a síntese proteica em 50% aproximadamente, e a porção maior não causou um aumento maior do que esse, apesar da dosagem ter sido triplicada. Os pesquisadores concluíram que a ingestão de mais do que 30g de proteína em uma única refeição não leva a uma maior síntese proteica.
Embora a sua conclusão embase os resultados obtidos nesse estudo de curto prazo, é bem fácil predizer os resultados na massa muscular e na força quando comparamos uma dosagem diária de 90g com uma de 30g por um período de pesquisa mais longo, ainda mais se envolvermos um protocolo de exercícios estruturado. Isso me traz ao ponto crucial, resultados de estudos no curto prazo apenas nos fornecem subsídios para hipóteses. Eles não são completamente sem sentido, mas estão longe de serem conclusivos sem analisarmos os efeitos no longo prazo.
Pesquisas de longo prazo desafiando o limite mágico
Se a premissa de que uma dose de 20 a 30g de proteína maximiza o efeito anabólico fosse verdadeira, então qualquer quantidade acima dessa dosagem seria desperdiçada. Pelo contrário, o corpo é mais esperto do que isso. Em um estudo de 14 dias, Arnal e colegas não encontraram diferenças na massa sem gordura ou na retenção de nitrogênio quando compararam o consumo de 79% da necessidade diária de proteína (aproximadamente 54g) em uma refeição versus a mesma quantidade distribuída em 4 refeições [11].
Notavelmente, esse estudo foi feito com mulheres jovens cujas massas sem gordura eram de 40,8 Kg na média. Levando-se em conta que a maioria dos homens não sedentários têm consideravelmente mais massa magra do que as participantes desse último estudo, é plausível supor que podemos processar de forma eficiente muito mais do que 54g de proteína em uma única refeição, com propósitos anabólicos e/ou anticatabólicos. Se extrapolarmos a dose de proteína usada nesse estudo (79% de 1,67g/Kg) para o homem adulto médio, essa dose seria de aproximadamente 85 a 95g ou ainda mais, dependendo de quão próximo alguém esteja dos limites superiores da massa muscular.
Quando Arnal e colegas aplicaram o mesmo protocolo à população idosa, o tratamento de dose única na verdade causou uma melhor retenção de proteínas nos músculos do que o tratamento de doses fracionadas [12]. Isso levanta a possibilidade de que, conforme envelhecemos, dosagens maiores de proteína podem ser necessárias para alcançar os mesmos resultados de retenção proteica que tivemos em nossas juventudes.
A pesquisa com o jejum intermitente está batendo o martelo nessa questão?
Talvez o maior contraponto à ideia de que existe um limite além do qual o anabolismo ou a retenção muscular pode acontecer é a recente pesquisa com o jejum intermitente, particularmente as pesquisas com um grupo controle fazendo uma dieta convencional. Por exemplo, Soeters e colegas compararam duas semanas de jejum intermitente envolvendo períodos de jejum de 20 horas com uma dieta convencional. Apesar do grupo do jejum intermitente consumir uma média de 101g de proteína em uma janela de 4 horas, não houve diferença na preservação da massa muscular e a proteína muscular em ambos os grupos.
Em outro exemplo, Stote e colegas na verdade reportaram uma melhora na composição corporal (incluindo um aumento na massa magra) depois de 8 semanas no grupo fazendo o jejum intermitente consumindo apenas uma refeição por dia, onde aproximadamente 86g de proteína eram consumidos em uma janela de 4 horas [14]. O grupo da dieta convencional consumindo 3 refeições espalhadas durante o dia interessantemente não apresentou melhoras significativas na composição corporal.
Leve em consideração que a composição corporal foi determinada usando a bioimpedância elétrica, então estes resultados devem ser vistos com cautela. Eu fui muito crítico com esse estudo no passado, e ainda sou. Ainda assim, ele não pode ser completamente desconsiderado e deve ser levado em consideração na massa de evidências contra a ideia do limite mágico na dosagem proteica.
Conclusão e aplicação
Baseado nas evidências disponíveis, é falso afirmar que o corpo só pode usar uma determinada quantidade de proteína por refeição. Os estudos examinando os efeitos no curto prazo providenciaram subsídios para o que poderia ser uma dose ideal de proteína para maximizar o anabolismo, mas estudos feitos em períodos de tempo maiores não respaldaram essa ideia. Então, existe um limite para a quantidade de proteína que pode ser efetivamente usada em cada refeição?
Sim existe, mas esse limite provavelmente é similar a quantidade que é eficiente de modo máximo durante o dia inteiro. Qual é o máximo de proteína que o corpo pode usar eficientemente em um dia? A resposta curta é: bem mais do que 20 a 30g. A resposta longa é: isso depende de uma série de fatores. Na maioria dos casos não é muito distante de 1g a cada 0,45 Kg em marombeiros naturais, levando-se em consideração que estes estão ingerindo uma quantidade total de calorias adequada [8,9].
Em termos práticos, tenho observado de modo consistente a efetividade de se ingerir aproximadamente um quarto das suas proteínas diárias para o seu peso pretendido tanto na refeição pré como na pós treino. Nota: o peso pretendido é um índice substituto da massa magra, e eu o uso para evitar distorcer os cálculos feitos com pessoas notavelmente acima ou abaixo do peso.
Essa dosagem ultrapassa as quantidades que maximizam a resposta anabólica, mas não colidem com a distribuição proteica do resto do dia, que pode ser distribuída conforme lhe convier. Nos dias de descanso, combine ou distribua a proteína do dia de acordo com as suas preferências pessoais e a sua tolerância digestiva. Eu sei que liberdade e flexibilidade são termos incomuns na cultura do físico, mas talvez seja hora para uma mudança de paradigmas.
Resumindo, veja todas as informações – especialmente o folclore das academias e as pesquisas de curto prazo – com cautela. Não caia na conversa de que a proteína não vai ser usada de modo eficiente à menos que ela seja ingerida em doses pequenas ao longo do dia. Eu espero que pesquisas futuras respondam definitivamente como diferentes esquemas de dosagens, com vários tipos de proteínas, afetam resultados relevantes como o tamanho e a força. Enquanto isso não acontece, sinta-se à vontade para comer o bife inteiro e tomar todo o shake e, se você quiser o melhor retorno para o seu dinheiro, procure uma mistura proteica de qualidade como a Nitrean!* 😉
Escrito por Alan Aragon
*Nitrean é um mix de diferentes proteínas: whey, caseína e albumina.
Sobre Alan Aragon

O Alan Aragon atua com sucesso há mais de 15 anos no campo fitness. Ele graduou-se e concluiu seu mestrado com honras em nutrição. Ele sempre é consultado pela Commission on Dietetic Registration, National Academy os Sports Medicine e National Strenght & Conditioning Association. Ele recentemente fez palestras para médicos no FDA (a ANVISA dos EUA) e na conferência anual da Los Angeles Dietetic Association.
Ele atua elaborando programas nutricionais para atletas recreacionais, profissionais e olímpicos, incluindo o Los Angeles Lakers, Los Angeles Kings e
o Anaheim Mighty Ducks. O Allan contribui como editor e coach de perda de peso na revista Men’s Health americana.
O seu livro “Girth Control” é considerado um dos manuais mais profundos sobre a melhora do físico e o entendimento da nutrição para o fitness e o esporte. Por último, o Allan escreve uma revisão mensal das pesquisas falando sobre as últimas novidades sobre nutrição, treino e suplementação.
Referências
1. Smeets AJ, Westerterp-Plantenga MS. Acute effects on metabolism and appetite profile of one meal difference in the lower range of meal frequency. Br J Nutr. 2008 Jun;99(6):1316-21.
2. Taylor MA, Garrow JS. Compared with nibbling, neither gorging nor a morning fast affect short-term energy balance in obese patients in a chamber calorimeter. Int J Obes Relat Metab Disord. 2001 Apr;25(4):519-28.
3. Bellisle F, McDevitt R, Prentice AM. Meal frequency and energy balance. Br J Nutr. 1997 Apr;77 Suppl 1:S57-70.
4. Verboeket-van de Venne WP, Westerterp KR. Frequency of feeding, weight reduction and energy metabolism. Int J Obes Relat Metab Disord. 1993 Jan;17(1):31-6.
5. Verboeket-van de Venne WP, Westerterp KR. Influence of the feeding frequency on nutrient utilization in man: consequences for energy metabolism. Eur J Clin Nutr. 1991 Mar;45(3):161-9.
6. Bilsborough S, Mann N. A review of issues of dietary protein intake in humans. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2006 Apr;16(2):129-52.
7. Moore DR, et al. Ingested protein dose response of muscle and albumin protein synthesis after resistance exercise in young men. Am J Clin Nutr. 2009 Jan;89(1):161-8.
8. Campbell B, et al. International Society of Sports Nutrition position stand: protein and exercise. J Int Soc Sports Nutr. 2007 Sep 26;4:8.
9. Tipton KD, Wolfe RR. Protein and amino acids for athletes. J Sports Sci. 2004 Jan;22(1):65-79.
10. Symons TB, et al. A moderate serving of high-quality protein maximally stimulates skeletal muscle protein synthesis in young and elderly subjects. J Am Diet Assoc. 2009 Sep;109(9):1582-6.
11. Arnal MA, et al. Protein feeding pattern does not affect protein retention in young women. J Nutr. 2000 Jul;130(7):1700-4.
12. Arnal MA, et al. Protein pulse feeding improves protein retention in elderly women. Am J Clin Nutr. 1999 Jun;69(6):1202-8.
13. Soeters MR, et al. Intermittent fasting does not affect whole-body glucose, lipid, or protein metabolism. Am J Clin Nutr. 2009 Nov;90(5):1244-51.
14. Stote KS, et al. A controlled trial of reduced meal frequency without caloric restriction in healthy, normal-weight, middle-aged adults. Am J Clin Nutr. 2007 Apr;85(4):981-8.
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